Aqui vou colocar o primeiro capítulo do livro que estou escrevendo e gostaria de saber a opinião de cada um.
- Spoiler:
Capítulo 1
Sentado com uma das mãos sobre o braço de
seu trono, enquanto a outra repousava sob o queixo, Elhand parecia imponente
perante seus súditos. Sempre com a longa capa vermelha presa à sobrecota negra.
Mas para o conselheiro e amigo, Herkan, estava imerso em tédio. Todos os dias,
Elhand promovia uma audiência para os moradores de Ierutar, a capital do reino
que ele governava. Todos os dias, havia uma quantidade imensurável de pessoas à
entrada de seu castelo, esperançosas de que o governante pudesse ajudar com a
fome que assolava a maioria das províncias.
- Herkan, ouviu o que este aldeão disse –
ele falou enquanto olhava para o amigo com os olhos vazios. – Faça com que ele
e sua família sejam agraciados com duas sacas de cevada – agitou uma das mãos
no ar para que o camponês pudesse se retirar.
- Muito obrigado, meu senhor – disse o
homem, emocionado.
Isso já tinha virado rotina. Um fazendeiro
entrava, lhe pedia comida e, na maioria das vezes, apenas prometia ao invés de
cumprir. No início de seu reinado, Elhand se importava com seus súditos,
trabalhava para fornecer alimentos e lutava nas guerras infindáveis para que
pudesse proteger a todos. Com o passar do tempo e a chegada da paz entre os clãs
de Amagar, os fazendeiros mal trabalhavam para se sustentarem e tudo o que
faziam era mendigar. A cada dia, a situação foi se tornando cansativa ao ponto
de ele parar de se importar. Sabia que apenas o simples fato de prometer, já os
acalmaria.
- Muito bem – disse ele enquanto punha-se
de pé diante de um garotinho. – Já chega por hoje.
- Mas majestade, com todo o respeito, viajei
de muito longe só para ter esta audiência com o senhor-
- Eu disse que já chega! – vociferou,
interrompendo-o. – Uma reles criatura como você, não deveria me contestar.
Os músculos da face de Elhand se
contorceram em uma expressão severa, fazendo com que a criança desviasse o
olhar enquanto um calafrio lhe percorria a espinha.
- Meu caro – disse finalmente Herkan,
sempre com sua voz grave. – Acho que você deveria ouví-lo. Para ele é caso de
vida ou morte e para você, de nada custa.
- Ah, cale essa boca Herkan! – gritou e
depois se voltou para os guardas. – Levem-no daqui!
Sem reagir, o menino deixou que o
conduzissem até a saída. Lá fora, um senhor com uma longa barba branca
atingindo a cintura lhe esperava em uma carroça. O velho segurou o grande
chapéu de palha com os dedos magros e o ergueu acima dos olhos cansados e
lacrimosos, quando perguntou:
- E então?
O pequeno camponês se dirigiu para a
carroça sem dizer uma palavra, apenas pisando com força no solo, deixando
transparecer sua raiva e insatisfação. Subiu no meio de transporte arcaico e
apertou as rédeas com tanta força, que as pontas dos dedos ficaram brancas.
- Aquele miserável nem mesmo me ouviu – disse
ele com os dentes semi-cerrados. – Maldição! Por que tivemos que recorrer a
ele?!
- Porque, infelizmente, não podemos contar
com mais ninguém – o idoso deixou que um longo suspiro escapasse. Ajeitou o
chapéu, de modo que cobrisse seus olhos cansados novamente. – Vamos, meu jovem.
Temos um longo caminho a percorrer e uma péssima notícia para dar – ele deu um
tapinha no joelho do garoto, que agitou as rédeas para os animais darem início
a viajem.
Elhand deixou que a longa capa esvoaçasse,
no instante em que girou o corpo e caminhou para longe de seu trono. Ouviu
novas passadas, somarem-se às suas e ecoarem pelo corredor. Herkan já era velho
e não podia se locomover com facilidade, mas fazia um ótimo trabalho em
conseguir acompanhá-lo quando estava irritado.
- Por que continua fazendo isso, Elhand? –
indagou o idoso com a voz embargada. – Por que insiste em
menosprezar os outros?Você nunca foi assim!
- O tempo me tornou assim! – gritou o rei,
parando de caminhar bruscamente. – Você é meu amigo, viveu comigo boa parte de
minha vida, mas ainda assim, não sabe nada sobre ela – ele deu as costas e
tornou a caminhar.
- Está enganado – Herkan fez uma força para
acompanhar os passos apressados do companheiro pelo longo corredor. – Eu sei
muito mais do que você mesmo. Olhe para si, Elhand. Está se tornando amargo e
solitário.
Herkan estava ofegante. Não tinha mais
disposição para forçar passadas como aquelas, exauria-se com facilidade.
Inspirou com calma, na esperança de normalizar a respiração, enquanto observava
o rei desaparecer ao final do corredor. Alguma coisa deveria ser feita ou
Sva’lad cairia em desgraça com a apatia de seu governante. Ele já sabia o que
fazer. Seu plano entraria em ação com a chegada da próxima lua cheia, quando
Herkan, Elhand e um pequeno grupo de soldados fariam a tradicional caçada ao Escárgön.
Um frio súbito de raiva brotou no estômago
do rei amargurado. O amigo bruxo o acompanhara em grandes momentos de sua vida,
mas não havia testemunhado os horrores da guerra nas mesmas proporções que ele.
Lembranças negativas como o assassinato de seus pais, quando ele era jovem,
ainda estavam frescas em sua memória. Daquele dia em diante, Elhand fora
forçado a amadurecer, perdeu grande parte da juventude lutando para proteger
seu reino, seu povo. Viu mais cadáveres em alguns anos do que um ancião pensara
encontrar em toda sua vida. Ele parou de caminhar, silenciando assim, os ecos
no corredor estreito. O rei apoiou a mão na parede de pedra e deixou que uma
fraqueza se apoderasse dele. Apertou os olhos quando as lembranças começaram a
ganhar força.
- Está tudo bem papai? – a voz fina interrompeu
sua meditação.
Elhand abriu os olhos e estes se
encontraram com o olhar ingênuo de Targur, seu pequeno e único filho.
- Nunca estive melhor – disse Elhand
recobrando as forças enquanto afastava o garoto de si com agressividade e
caminhava para longe, deixando-o sozinho.
Targur encostou na parede e deixou o
corpinho fraquejar, até cair sentado no chão. Os olhos começando a arder
enquanto as lágrimas brotavam. Ficou daquele jeito por algum tempo, até ouvir
uma voz suave e familiar atrás de si, dizer:
- O que houve, meu filho?
O garotinho se virou e lá estava sua mãe,
linda como sempre. Usava um vestido de cetim verde, que realçava seus olhos, e
bordado com fios de ouro. Aproximou-se dele com a graciosidade de um pavão e
lhe enxugou as lágrimas com a delicadeza de uma pluma. Ver o filho daquele
jeito lhe cortava o coração, não havia nada mais importante para ela do que
aquela criança.
- Por que choras meu pequenino?
- É o papai, minha mãe – disse ele com a
voz trêmula, tentando conter os soluços. – Não sei o que mais posso fazer para
ter o amor dele.
A mulher se juntou a ele no chão e o tomou
nos braços. Ali, ele se sentia seguro, era ali o seu refúgio. Cada vez que a
mãe o envolvia em um abraço caloroso, sentia-se mais disposto. Era como se tudo
ao seu redor silenciasse, trazendo uma imensa paz interior. Os soluços no choro
do garoto desapareceram e sua respiração normalizou.
- Seu pai, é um homem perturbado pela feiura
da vida, Targur. Ele não sabe como guardar toda essa energia negativa para ele
e acaba descontando nos outros – ela deslizou a mão pelos fios negros e
encaracolados do filho. – Não deverias se preocupar com isso. Afinal, a culpa
não é sua. Com o tempo, seu pai irá melhorar – disse ela, tentando não deixar
transparecer a raiva que estava sentindo naquele momento. – Agora, por que não
enxuga essas lágrimas e vai brincar por aí?
- Eu não sei...
- Já sei o que fazer para animá-lo – a
mulher o soltou, de modo que seus olhos encontrassem os dele. – Eu o estava
procurando para dizer que Felipa deu cria esta manhã.
- Um potrinho?!
- Sim, um lindo potrinho – disse ela
equanto ensaiava um sorriso. – Vá até lá dar uma olhada, ele é magnífico.
Targur levantou de um salto quase como se
tivesse esquecido de toda aquela tristeza. Ele enxugou as lágrimas, que ainda
escorriam pelo rosto, com as costas dos braços e começou a correr pelo
corredor, se afastando. Irritada, a mulher se pôs a caminhar, até encontrar uma
porta, por onde entrou.
- O que pensa que está fazendo?
Elhand deu um pulo da cama com a gritaria
da mulher.
- O que VOCÊ pensa que está fazendo Zatana?
Entrar no quarto dessa maneira quando eu estava prestes a repousar!
- Você trata seu filho todos os dias como
lixo! Ignora-o ou grita com ele sem motivo aparente – vociferava ela enquanto
se aproximava dele. – Sou sua esposa e o mínimo que exijo de você é que trate
seu filho como tal e pelo menos mostre, uma vez na vida, que se importa com
ele!
- Feche o bico, sua gralha! – gritou
Elhand, superando o tom de voz dela. – Sou seu marido, rei de Sva’lad e exijo
respeito!
Um súbito silêncio tomou conta do cômodo,
até Zatana dizer em um tom de voz ameaçador:
- Não por muito tempo.
Os pêlos no braço de Elhand se eriçaram
quando a esposa pronunciou aquelas palavras. Ele nem mesmo teve coragem para
rebater o que ela havia dito e tudo o que fez, foi cair sentado na cama
enquanto a observava sair pela porta por onde entrara. Indagava-se o que a
mulher quisera dizer com aquilo. Será que pretendia se livrar dele?